quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

sem título

saudade da garça
do cisne
do príncipe
da princesa
dos contos de fada
sem beleza
minha vida apenas
apenas idealização
saudade
pequenina morte
quando cai a noite
escrevo sem sequer pensar
salvar-me hei de
em palavra.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

colagem de andorinha

andorinha corta céu lilás
andorinha catártica
andorinha
é só minha
e do mundo inteiro
e do verão
e do mar
introdução
só pra falar de saudade,
de que seu telefonema
me alegrou,
isto não é um poema,
isto é só
para que eu me salve
de alguma maneira,
um poema suspendido
de poesia
se não fosse
a colagem da andorinha
embora andorinha
esteja suspendida
no céu
na asa
o telefone toca
e me tira
da linha
da página
da andorinha
do poema que não é poema
poente em meus olhos apenas
poema que não é poema
pretexto de anotação,
eu amo andorinha.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

se houver lua

quando a noite cair
vai ser outro porvir
para mim que não
quero nenhum dos dois.
quero a meia tarde
quero entre a noite e o dia
quero nada
quero qualquer coisa
quero maconha
quero escrever o que não posso
portanto paro aqui,
qualquer verdade
inventada seria o fim
da picada.
que droga é esta
que me deixa cansado
trêmulo
se papai ler isso
chora de desgosto
mas que saiba que amo
profundamente
a coexistência
que mesmo assim
resignada por mim
lava meu coração
daqui a pouco
se houver lua.

confissão

escrever não só por escrever,
como fui dizer em certa feita.
escrever para me salvar,
para não morrer,
pra reverberar
dor mesmo,
para que chegue até você
beleza mas que vem com
dor do mundo
acoplada,
como rosa,
como sangue
do espinho que nela
tinha
e eu me esqueci
usualmente
da idéia primordial
do texto
incoerente
embora seja incoerente e não possa fugir disto,
mas faz tanto calor que não bem raciocíno
eu devia era amar ao invés de escrever
mas não há você,
nunca houve,
nunca houve,
preciso confessar que o sujeito
do amor devotado
desses textos
nunca houve se não
em idealização
de qualquer coisa
que não seja vida,
da qual fujo
porque tenho medo,
e porque minha
epiderme
está fodida
dos nervos
escangalhados.

poema incoerente

não mais aguento
relento
remelento
remeleixo
saudade do trema
quero escrever
com fluência
confluência
condescendência
à sua idiotice
que não me lê porquê
é burro
mas eu prevaleço
nos acentos
e me aqueço
pela rima
não só aqueço
como fervo
como douro
a pílula,
e o acento,
o acento
é o nosso barroco
qual o idiota
acadêmico
quis minar
eliminar
defenestrar
nosso
barroco.
você está certo,
universal,
provençal
(pela rima),
posto que os provençais
sejam mesmo grosseiros
e você o é,
você que não me lê,
mas eu não o sou
e sou triste;
esta é a chave da história.

solidão

minha carência é só minha e de mais ninguém
ela vêm em dias quentes
nas horas de sono
de repente
ao que o sol não chega em seu poente
ou parece nunca chegar
apaziguar calor
ânimo, solidão
que sou eu
aqui.

minha carência é minha e de ninguém mais
porque assim eu a quis
porque assim eu não
quero ninguém
a não ser
quem não posso dizer.

hoje pela manhã, o sorriso de uma criança
suspendeu-me de minha carência.

eu sou carente mas não sou vulgar
como você, pelo menos.

mas sou um imbecil que compara
e sofre, e comparar é o princípio
de desamparar-se.

eu cansei de escrever,
só queria mesmo dizer
de minha carência,
de que estou só,
não por escolha,
não sem dor,
escrevo com fluência,
mas é pobre a escrita.

eu estou cansado.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

metafórico

tarde quente
ouço o telefone tocar
é só impressão
é solidão
saudade
que não posso ter
posto que você
quis me matar
eu sou mulher
de bandido
estas coisas desse lugar
não matam minha fome
nosso castelo nos meus
olhos
idealização pura
enquanto você
rouba
o mar pra mim
mentira
ilusão minha
de ti
você está apenas
vivendo
triste, feliz
o que for
se você me chutou
porta afora
agora
eu que não queira
voltar
esmolar
amor
regressar
pra dor
que era
mas teve carinho
quem soube?
o dia é quente
nada responde
apenas quente
e os ponteiros
parados
suados
amarrotados
em meu saturno
pesado
peito


coração
flor
amor
ilusão
calor
olor
paixão
devaneio
do que era
em palavras
suspendidas
de conexão
que rima com não
mas eu quero sim
quero viver
nem que seja sem
o amor bandido teu
que um dia
me roubou à beira do mar
e me pôs a sonhar
do teu jeito
mas eu traí
e me prostituí
e nunca te quis
agora só não tô
na sarjeta
porque
lavo roupas
pra fora
tirei nosso menino
da escola
cada antúrio do jardim
era augúrio pra mim
de um coração
e eu em devaneio
em devaneio
em pura idealização
brevemente
terei de me aprumar
embora quisesse apenas o mar
a lavar
em bruma
o sangue
metafórico.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

aeronave

uma aeronave corta
o céu límpido
de azul límpido
escuro
cai a noite
cigarra canta
o que minha garganta
dolorida não canta
estou bem silencioso
você não respondeu
minha carta de amor
mas sem rancor
eu vou lhe amar
lhe esquecendo
mas isto não é um poema de amor
e sim um poema romântico
sobre o céu e a aeronave
soberanos a nós
a mim
romântico
românticos
não amam no fim
não era o que voce se
me havia dito uma vez?
talvez você não lembre
com sua desmemória
seletiva
cigarra zune
no ouvido
marimbondos
estáticos no ninho
este tom da cigarra
fere
embora o calor o equivalha
à navalha de seu timbre
de seu timbre rouco
agudo
duplo
tem outra que canta
agorinha mesmo
neste dueto
que é para não me deixar só
mas acaba por me irritar
minha garganta também
áspera não canta
áspera nao de tristeza
só de dor física
divago sobre isto
apenas para que não se diga
o som maior
o tom maior
de ser um recomeço
agorinha mesmo
embora caia a noite,
posto que eu haja terminado um ciclo
não já sem pequena nesga
de saudade
que rasga pequena
esta é a dorzinha
mas afora isto
a seretonina
transfere-na
para outro
lugar
que ainda não sei qual seja.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

coração triste

eu estou tão triste
eu estou acabado
eu não tenho coração pra isso
justo agora que eu tinha engatado
a alegria pra poder continuar
a escrever e terminar de vez este livro
sem que para isto
eu tivesse que morrer de tristeza
você me pega de coração aberto
me dizendo essas coisas
de que na verdade
eu nunca quis ser amado
mas eu digo com o peito dilacerado:
não confunda não ser despudorado
para o amor
com ausência de coração:
eu estou sofrendo imensamente para escrever isto.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

religar-se

as pessoas oram
as pessoas chamam
elas clamam
naquela horinha
por algo maior,
e eu fito de canto
de olho este ato
antropológico
da oração
que dá carinho
quando a gente
precisa,
embora eu não
saiba orar,
embora eu
orasse com meu pai,
embora eu seja um bom
orador, no sentido
retórico,
isto quando não estou triste,
porque daí lágrima
atravessa palavra,
catárse:
eu sempre tive isto
isto que tentei rebuscar
no ato de orar,
os pretos oravam
e borboletas voavam
ao seu redor,
foi alí que rememorei
a religiosidade mais bonita:
a do sol.
a do deus sol.
porque foi a ele que designaram como tal
os primitivos.